Extraordinários progressos tecnológicos dentro e fora da medicina têm permitido à humanidade ser a cada dia mais biônica. Ainda que tenhamos desenvolvido mecanismos para prolongar a vida como marca-passos, próteses mecânicas, implantes cocleares, transplante de órgãos e etc, ainda temos todos a consciência da finitude. Por mais que a inteligência artificial esteja superando a humanidade, para além dessa noção da brevidade de nossa existência, nos diferenciamos da máquina também pela capacidade de sentir dor.
O filólogo alemão Friedrich Nietzsche disse uma vez que “o que não nos destrói nos fortalece”. Este talvez seja um dos pensamentos que melhor definem a finalidade da dor. A analogia pode ser feita tanto para uma dor física quanto emocional. Isso porque a dor, a despeito do desconforto que causa ao doente, quase sempre tem uma finalidade maior. Por este motivo, estudiosos e especialistas pesquisam cada dia mais sobre este fenômeno que causa tanto desconforto ao ser humano.
2020 foi definido como Ano Internacional de Prevenção à Dor, com o objetivo de trazer maior clareza para doentes e profissionais de saúde. Uma definição mais precisa deste conceito nos ajuda a garantir cuidados e estratégias que possam reduzir os impactos de dores crônicas na vida de todos. A Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP) nos alerta de que o relato de uma pessoa sobre uma experiência de dor deve ser sempre respeitado. Isso porque a dor é uma experiência pessoal e intransferível, que é influenciada, em graus variáveis, por fatores biológicos, psicológicos e sociais. Através das suas experiências de vida, as pessoas aprendem o conceito de dor e, a cada experiência de dor, mais sofisticado se torna o relato. Isso porque o indivíduo vai se tornando consciente da sua constituição interna a partir dessas experiências. Porém a incapacidade de uma pessoa de expressar a dor que sente não deve invalidar a possibilidade da existência de tal dor. Seres humanos e outros animais podem sentir dor, ainda que não consigam falar ou expressar de alguma forma.
Pela primeira vez desde 1979, a IASP não atualizava a definição de dor e, a realização de tal feito se mostra fundamental. Além de incluir tipos de dores que não eram bem compreendidas anos atrás (como as dores persistentes pós cirúrgicas), a associação define dor como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita nos termos de tal lesão.” Este trabalho de revisão contou com auxílio de 14 membros especialistas no estudo da dor de diversos países entre os anos de 2018 a 2020.
Atualmente a dor é entendida como um fenômeno mais complexo e diferente da nocicepção. Isso porque ela não pode ser determinada unicamente pela atividade dos sinais neurais. A dor é uma experiência única de cada indivíduo, como uma digital. Embora geralmente cumpra um papel adaptativo, ela pode ter efeitos adversos na função e no bem-estar social e psicológico. Por este motivo, a dor não é subordinada necessariamente a um estímulo. É importante que tenhamos a consciência da dor como uma experiência emocional desagradável. Ainda que possa estar ligada a uma doença imaginária, a dor da pessoa, em si, é real. O entendimento da dor como fenômeno biopscicossocial faz uma grande diferença na abordagem do tratamento e na melhora de seus sintomas.
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